Publicado por: Hélio Bertolucci, Jr. | 09/03/2009

(lat sede) 1 Igreja principal de uma diocese, onde fica o trono do bispo; igreja episcopal ou arquiepiscopal 2 a jurisdição  episcopal – s. patriarcal igreja dirigida por um patriarca – também se diz apenas patriarcal. • Santa Sé a Igreja de Roma, o Vaticano. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

Do colonial à modernidade em concreto       

As pessoas que atualmente circulam na Praça da Sé e observam com admiração a imponente Catedral Metropolitana, a gigantesca estação do Metrô e o belo Palácio da Justiça não imaginam que ali já existiram muitos outros prédios (alguns até foram implodidos); que o local já serviu de terminal de ônibus e de pátio de estacionamento de tílburis e dos primeiros táxis existentes na cidade; que algumas ruas desapareceram; que igrejas e um teatro foram demolidos e que era um pacato lugar de casinhas em estilo barroco, por onde circulou uma população muito simples.       

O Brasil começou a ter suas memórias preservadas somente a partir da Lei n° 378  de 13 de janeiro de 1937, no governo de Getúlio Vargas, quando foi  criado o IPHAN –   Instituto de Patrimônio Histórico e Artísticos Nacional. Na época o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, preocupado com a preservação do patrimônio cultural brasileiro, pediu a Mário de Andrade que elaborasse um anteprojeto de lei que preservasse esses bens. Em seguida, foi confiada ao jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade a tarefa de implantar o Serviço de Patrimônio – SPHAN. Melo Franco contou com a colaboração de outros brasileiros ilustres como Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa e Carlos Drummond de Andrade.       

Sendo assim, nos trinta primeiros anos do século XX, uma cidade inteira  foi demolida e uma nova surgiu no seu lugar, em especial na região central da cidade. Não restou praticamente nada daqueles remotos tempos da São Paulo colonial, e talvez se encaixe neste relato a célebre frase de que “brasileiro não tem memória”.  

A origem da Praça da Sé remonta ao ano de 1588,  período em que surgiu o Largo da Sé. A primeira versão da Igreja foi instalada ali em 1591, quando o cacique Tibiriçá escolheu o terreno onde seria o primeiro templo da cidade – construído  em taipa de pilão, técnica do barro socado entre mourões de madeira, fortemente unidos em gradeado –, finalizada em 1616.   

Já em 1681, a Vila de São Paulo superou Santos e São Vicente e foi elevada a sede da capitania, contando então com dois mil habitantes, cerca de 260 casas, três conven­tos (São Bento, São Francisco, Nossa Senhora do Carmo), quatro igrejas submetidas à Catedral da Sé (Santo Antônio, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Gonçalo dos Pardos e São Pedro) e dois recolhimentos para freiras (conventos de Santa Teresa e Nossa Senhora da Luz), sem contar o Colégio dos Jesuítas.

“E desse Pateo do Colégio nasceram os rebentos de outras igrejas que se localizaram sempre na mesma colina. Surgiu a igreja de São Pedro. E surgiu a velha Sé. No seu estilo colonial, pairava garbosa e altaneira sobre o casario, amontoado ao seu lado, concentrando a vida da cidade e sendo seu largo pulmão respiratório”.    

Elevada à cidade em 1711, a Vila de São Paulo torna-se, por Carta Régia, sede de bispado em 22 de abril de 1745. Em 1746, inicia-se a construção da nova igreja no Largo da Sé. Ao implantar uma nova igreja, num período de dez anos, as ati­vidades da Sé passaram a se desenvolver na Igreja da Mi­sericórdia – por determinação da Carta Régia de 6 de maio de 1746 – onde se instalou o Cabido* (corporação dos cônegos), por ordem real, e sem prejuízo do normal funcio­namento da respectiva Irmandade da Misericórdia .      

O Largo da Sé sempre foi um lugar de prestígio por causa da sua igreja matriz, de onde chegavam e partiam as procissões. Negros libertos já praticavam comércio informal nesta localidade. Com a República, são introduzidas melhorias urbanas tais como alargamento de ruas, calçamentos, canalização de água e iluminação pública. As ruas, que antes tinham denominações ligadas ao Império, receberam nomes apropriados à nova situação do poder. O Largo da Sé, cuja tradição estava ligada às manifestações religiosas, passa por várias reformas para adequar-se aos novos tempos. Em 1911, foram demolidas as igrejas da Sé e de São Pedro dos Clérigos e várias ruas desaparecem para possibilitar a abertura de uma monumental praça e uma nova Catedral. Por muitos anos, o terreno das demolições serviu somente de estacionamento e era considerado o único lugar público para manifestações.      

Não só de religiosidade viveu o antigo Largo e a atual Praça da Sé. As imediações sempre tiveram vocações artísticas. Em 1896, perdeu seu teatro, o São José, sendo o terreno utilizado durante alguns anos por circos e depois para a construção da nova Catedral. Acolheu também os prédios da Pinacoteca do Estado, da Escola de Belas Artes e do Conselho de Orientação Artística. Grandes mestres retrataram a Sé: Debret, Rebolo, Wash Rodrigues, Edmund Pink, Manoel Martins e Almeida Júnior que pintou o teto da velha igreja da Sé com o tema “A conversão de São Paulo, de 1888. No ano de 1925, ganha seu primeiro teatro, sucessivamente depois transformado em cinema: o Cine-teatro Santa Helena.     

Uma nova reurbanização da Praça da Sé foi iniciada somente em 1952, em virtude das comemorações do IV Centenário da cidade, com o início da construção da nova Catedral. Mas foi no início dos anos 70, com a construção do Metrô, que surgiu a atual configuração. Isto exigiu a demolição do quarteirão que separava a Praça da Sé da Praça Clóvis Bevilacqua e a demolição de alguns importantes edifícios como o Palacete Santa Helena, o Mendes Caldeira, Palacete Tina e os Irmãos Conzo. Inaugurada em 1978, na gestão do prefeito Olavo Setúbal, a nova praça surgiu com novidades como espelhos d’água e grandes esculturas distribuídas numa área de 52.000 m2 de áreas reurbanizadas.

Com toda essa vocação, a nova Sé também ganhou obras de artistas contemporâneos brasileiros, trazendo para a cidade de São Paulo uma inovação em artes expostas em praças públicas, modernas e grandes. Caminhando por todo o complexo da Sé, externa e internamente, podemos apreciar obras de Bruno Giorgi, Sérgio Camargo, Toyota, Rezende, Marcelo Nitsche, Frans Waissman, Vlavianos, Felícia Leirner, Mário Cravo, Franz Stochinger e Caciporé Torres.     

Palco de apresentações populares e manifestações públicas, a Sé sempre esteve presente nas transformações políticas do país. O grande auge foi na década de 1980, com a grande manifestação das “Diretas Já”, em que mais de trezentas mil pessoas se reuniram para pedir a abertura política.     

A partir de maio de 2006, a praça é  novamente fechada e a subprefeitura da Sé investe R$ 4,1 milhões para nova reforma e reformulação dos seus espaços, adequação de seus jardins, fontes e o passeio público, que por alguns anos andou abandonado e entregue à população carente de rua. Em meio aos festejos do 453° aniversário da cidade de São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab  entrega à população da cidade, ainda inacabada, uma nova Praça da Sé.       

Como não poderia ser diferente, já que a Praça da Sé sempre foi palco de tantas manifestações, o prefeito foi recebido por grupos de manifestantes que vaiavam e gritavam palavras de ordem contra o aumento da tarifa de ônibus e a falta de moradias. Irritado, do alto da escadaria da Catedral, o prefeito começou a gritar “São Paulo, São Paulo”, ganhando apoio dos seus secretários e correligionários.


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